Luz
lutava ainda consigo mesmo, presa frequentemente da lancinante dor do remorso,
frente à amorosa efusão Paterna, vencido, muitas vezes, pelo desanimo, quando
aflorando do incomensurável oceano da treva interdita, comparava a sua luz À
imaculada, vitoriosamente esplendente e feliz nos sete graus da rosa angelical.
Mas
a pungente solicitação da vaidade convidava-o sempre mais insistente e
longamente ao proibido, que ocultava em si o veneno da orgulhosa revolta.
Milênios
e milênios decorreram ...
Agora a única felicidade de Luz
consistia em permanecer o mais possível nas trevas sem fim e aí considerar-se e
admirar-se como centro infinito, irradiando fulgores admiráveis que
desapareciam apenas quando voltava junto à Divina Chama.
Contudo
– orgulho lhe sugeria – não era ele, porventura, emanação da Luz Criadora ? Não
estava nele a própria potência criadora do Pai, que lhe havia confiado o
governo de todas as suas criaturas ? E, se lhe fora concedido tanto poder, por
que devia ser-lhe vedado o humilde e fugidio reino das trevas? A sombra que ora
lhe fugia teria, reconhecida pela sua atividade criadora, participado de sua
emanação luminosa.
Desejando
que suas formas mentais, naquele plasma informe se condensassem e
concretizassem, chamou a si a sombra.
Quis,
e a sua vontade consubstanciou-se. Pode amalgamar-se e dissolver-se, segundo o
seu desejo.
A
ansiedade que o havia possuído, depois de haver manifestado a sua vontade e a
expectativa não isenta de temor com que havia contemplado as primeiras realizações,
cederam a uma quase prudente timidez que ele manifestava no
consubstancializar-se em novas formas no plasma fugaz. Modelando os aspectos,
que ficavam nas várias transformações cada vez mais apurados e completos,
adquiriu pouco a pouco maior segurança de expressão e ele se quis sempre mais
belo e admirável, em imagens a mais e mais perfeitas e magníficas.
Uma
alegria louca o inebriava. Acreditava-se igual ao Único: também ele criava. A
seu talante consubstanciavam-se, no dócil plasma etéreo da sombra, figuras de
graça fascinante.
Pelo
seu querer, nasciam as inúmeras variedades dos aspectos e das formas, o mutável
mundo dos fenômenos: criaturas de beleza radiante; paisagens encantadas; flores
de fragrâncias mil e das mais variadas cores; todo o ilimitado e inimaginável
mundo da fantasia criadora.
Então
surgiu o pensamento da revolta: “ÊLE, da luz não criou senão a luz; eu da
obscuridade informe, criei o reino da beleza. Eu sou igual a ÊLE; eu sou mais
do que ÊLE”.
O
pensamento da revolta brotara, e Luz se condenara.
Atraídas
pela nova experiência, arrastadas ou envolvidas pelo mesmo desejo de
consubstancializar-se, muitas das centelhas divinas, partes da essência
resplandente da sétupla rosa que estavam sob a custódia de Luz, imitaram-no.
Esquecidas
de que a infinita felicidade eterna consistia sòmente em aspirar à mais alta
perfeição e pureza do espírito, buscavam agora àquele plasma material que cada
vez mais as aprisionava na sua ânsia.
E
elas não adoravam mais a Suprema Causa Criadora, a Onipotência Paterna, Deus,
mas volveram a sua culposa atenção para adorar a si mesmas.
E
esse foi o início da queda ...
O
olho de Deus, o Onividente para quem a própria imensidade do espaço não tem
mistérios, viu a Sua Luz, difundida em Suas Criaturas, ofuscadas cada vez mais
pelo véu opaco de desejos sempre crescentes.
A
Sua Onisciência não podia escapar a causa; sabia que a Lei Suprema fora
violada, mas, havendo deixado a cada uma de Suas Criaturas o livre arbítrio,
esperou que a culpa não aumentasse.
Mas,
também então, a Graça Paterna não quis aniquilar aquêle que o seu Fogo Criador,
num ímpeto de amor, tinha gerado, e, na constante efusão amorosa com as Suas
criaturas, não permitiu que outras luzes se precipitassem nas trevas.
Ordenou,
por isso, às centelhas que haviam caído no erro que se afastassem da luz: “Que
o vosso desejo se torne a Minha ordem” – foi a suprema determinação, e na treva
a que tolamente se tinham dirigido fez residir o princípio material das
centelhas culpadas.
Impôs
que, desde então, a matéria não fosse a companheira voluptuosa de um capricho,
mas o fardo doloroso que sobre elas pesaria, em uma sucessão ininterruptamente
expiadoras de vidas, através das quais se conseguiriam purificar e redimir.
Só
aprisionando-as no cárcere cego da carne, na limitação angustiosa das
imperfeições da matéria, de suas faltas e traições, poderiam iniciar a devida
expiação. Somente pelas aflições e angustias da instabilidade da jornada
humana, do amargo e doloroso pranto que dela emana, atingirão o batismo salutar
que pode permitir entrever, da prisão terrena, a primeira esperança de luz.
Por
milênios e milênios, através do mortificante filtro das paixões, na angustia
desse continuo morrer de cada instante, que é companheiro inseparável da
criatura humana, no perene retorno da vida, superando vitoriosamente obstáculos
cada vez mais árduos e difíceis, dominando a sedução corruptível existente na
própria cadeia mordente, conquistando nessa vitória o caráter real da sua
origem, elas, centelhas divinas que haviam pecado, deveriam reencontrar a força
e a pureza para remontar à Fonte puríssima e eterna de todo o bem.
E
na adamantina claridade, que já as havia feito brilhantes na inefável harmonia,
tornariam a resplender de felicidade imortal no seio do Criador.
É
esta a Lei do Karma da matéria, que naquele momento, teve o seu início. Por ela
nasceram os universos, os sóis, os planetas, as terras, os homens.
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